Síndrome de Sandy e Júnior , LGBT’s , RH e o ambiente seguro.

Sou de People
12 min readJun 11, 2021

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*Síndrome de S&J é como carinhosamente chamo minha síndrome do impostor…

Vou explicar o motivo pelo qual dei esse nome para ‘ela’, justamente o nome de uma das minhas bandas favoritas da infância. Mas, antes gostaria de rapidamente contar o motivo pelo qual decidi escrever sobre esse tema.

Durante muito tempo, da minha adolescência até o início da minha vida adulta, eu sofri muito com a síndrome do impostor. Tá certo que isso foi acentuado quando comecei a me relacionar mais com o mundo corporativo, mas de todo modo ela não começou “ do nada”. A síndrome foi fomentada de diversas formas por muitos anos até que viesse a eclodir nos tempos atuais. Hoje, com mais clareza, percebo o quanto esse tipo de medo é “conveniente” para grupos dominantes da sociedade e, de certa forma, também para certos ambientes e relacionamentos corporativos.

Decidi compartilhar um pouco dessa reflexão e também um pouco do que pesquisei sobre justamente agora pois vivo um momento em que me considero mais “LIVRE” dessa síndrome. Além disso, sendo líder e estando dentro do “RH”, me vejo como uma pessoa que pode mudar e impactar o ambiente onde estou, talvez também ajudar outras pessoas.

Bom, então vamos ao nome …

Isso mesmo, você não leu errado. É assim que decidi chamar minha síndrome do impostor: “ Síndrome de Sandy e Jr”.

Sandy e Júnior — Fonte: Jornal Hoje em dia

Talvez você se pergunte a razão pela qual resolvi chamar dessa forma. Bom, isso é muito simples:

Da mesma forma que S&J, a síndrome do impostor também impactou, ou ainda está impactando, milhares de millennials.
E, spoiler: assim como nossa querida dupla, quando você menos esperar ela volta …

Além disso, quando eu era um menino do interior de Minas Gerais vendo Faustão por uma TV 14 polegadas, essa dupla representava o significado de sucesso. Eu via os dois e pensava o quanto eram incríveis!
Aos 20 anos tão ‘adultos’ nossa! Uma grande carreira…”
Então achei que aos 20 e poucos seria assim pra mim e para todas as pessoas de vinte e poucos…

Voltando à nossa dupla: Aos 23/ 24 anos eles separaram, seguindo cada um seu caminho. O discurso foi doloroso para o público, mas inegavelmente muito bem embasado na mídia, transparecia muita sobriedade e certeza sobre os caminhos de carreira que deveriam seguir. Me lembro de ficar triste mas sentir que de alguma forma isso era “maduro e adulto” .

Eu cresci agora sou …

Corta a cena para eu, aos 24 anos, “formado”, entendendo que já me tornei “maduro e adulto”, mas na verdade totalmente inseguro das minhas decisões. Caminho de carreira? Melhor nem pensar sobre isso!
A rotina era permeada por, a cada decisão tomada no trabalho, um sentimento de “ será que eu sei mesmo isso?” ou “ a qualquer momento vou ser descoberto!”. Sentia que muitas vezes não estava tomando a decisão correta. E sabe o que é o pior? Isso me atormentou por anos… O fato de não ser “como S & J: seguro, maduro e adulto”.

O que é imortal, não morre no final…

Bom, voltemos para o dia de hoje…
Sabe o que é mais assustador? Quando olho para o lado e vejo que tenho vários amigos e amigas GENIAIS (Linkedin top voices, farmacêuticas incríveis, cientistas políticas muito inteligentes, gerentes inspiradoras …) que sentem -se dessa mesma forma…

E eu me perguntei, e venho me perguntando:
"Todas essas pessoas tem essa síndrome ou só estamos fingindo e a qualquer momento vamos ser descobertos?! rsrs "

Não é possível que tantas estruturas, estratégias e operações se mantenham de pé apenas com “impostores” executando suas tarefas… O Sistema não se sustentaria. A não ser que isso beneficie o sistema, certo?

HUM…Será que existe algo por trás? Se é algo tão ruim, por qual motivo acontece? Ou melhor…Quem lucra com isso? Porque muitos de nós nos sentimos assim?

Decidi incorporar o modo investigador e "pesquisar”…

Peguei como amostra usar minha bolha (espaço limitado de pessoas que convivo) para entender isso. Perguntei à 20 pessoas:
“Você se sente meio impostor (a) ?”

Sabe o que descobri?

  1. 70% das pessoas que disseram SIM eram mulheres
  2. Da amostra total, incluindo homens e mulheres, 60% eram pessoas LGBTQIA+

(Disclaimer: formato de pesquisa não embasados por metodologia científica, apenas conversas e estimações informais até aqui.)

É curioso que a maioria das pessoas da amostra total seja LGBTs, e/ou mulheres. Será que temos algo específico por aqui?

Bom, como pertencente a comunidade LGBT, quis explorar um pouco mais sobre o assunto dessa perspectiva primeiro.

Então novamente me perguntei :
"Quem ganha com isso? Pq tantos se sentem assim?"

Resolvi então pesquisar mais sobre a síndrome e olhar para dentro, ser meu próprio espaço amostral…

Eis que na literatura encontrei uma descrição que rapidamente já começou a responder muitas coisas:

“…algumas características comuns correlacionadas em quem sofre da síndrome de impostor são:

  • Expectativas muito altas
  • Ansiedade
  • Depressão
  • Baixa autoestima
  • Perfeccionismo
  • Automonitoramento excessivo”

Ao ler isso eu pensei: "UAI! ( como bom mineiro) Tá parecendo um script do que foi a minha vida… Mas tipo … a minha vida TODA desde a infância!".

Então resolvi realizar uma análise comparativa com a minha vida:

1 — Expectativas muito altas:

Sempre coloquei expectativas altas para mim mesmo, para sempre ter uma boa performance, não abrindo espaço para que minha sexualidade fosse questionada frente a minha competência em nenhuma instância. E talvez o constante medo de ser descoberto e perder o apoio dos meus pais, perder meu ciclo de amigos… Logo eu tinha que ser perfeito para ser autossuficiente o quanto antes.

2 — Ansiedade:

Sempre precisar estar preparado para o que vinha no futuro, ou com medo do que vinha no futuro… Afinal para uma pessoa gay, em uma sociedade como a nossa, coisas ruins podem acontecer. Então sempre estava ansioso pensando: “Vou sofrer agressões? Vou arrumar um bom emprego? Vão aceitar uma pessoa com o meu jeito naquela posição?”

3 Depressão:

Crescendo como uma criança gay, por todos os momentos o mundo me afirmava que eu era diferente: sendo punido fisicamente fora de casa quando criança ou adulto. Aprendi a me autoflagelar e culpabilizar por simplesmente ser quem eu era.

4 Baixa autoestima :

Sofri muito na infância por não entender o que acontecia comigo, entre as diversas tentativa de me encaixar em padrões que não me pertenciam e, consequentemente, não caber dentro deles. Por, simplesmente, não ter referência e assim não ser “descolado o bastante”, “legal o bastante” ou ser “ viado demais”.

5 Perfeccionismo:

Para não abrir brechas para errar, tudo tinha que ser perfeito. Afinal, já tinha MUITA coisa errada comigo. Eu precisava ser ótimo em algo!

6Automonitoramento excessivo:

Passei muito tempo me escondendo e não me permitindo “pisar fora da faixa”, porque "Vai que alguém descobre que sou gay? Vai que apanho? Não posso ‘dar pinta’! Vai que levo um soco, uma lâmpada na cabeça…” Ou “ Minha família não vai entender”. Me controlei e automonitorei por muitos mais segundos do que posso contar…

EITA…

Pois é, já no começo da minha pesquisa percebi que por ser uma pessoa DESVIANTE DO "PADRÃO" fui condicionado pelo meu entorno a expressar desde minha infância cada um dos sintomas e cultiva-los ao longo da vida. Para não ser liberto, para não questionar e para não ultrapassar os limites. E até mesmo para ser aceito e sobreviver.

Então é natural que eu aja assim e me sinta um impostor… Afinal:
“ comportamentos passados refletem em comportamentos futuros”

Mas novamente… Quem ganha com isso? Por que tantos se sentem assim? Não existem “só os LGBTQIA+” na minha bolha. Uma maioria bem representada (70%) eram mulheres (sendo hetero, bi e gays).

Isso faz sentido? tem a mesma causa raiz ? Como se correlacionam?

Então… Aqui ainda estamos falando de uma síndrome imposta por um discurso de poder.

E isso não é novidade! Desde o século XVI queimávamos bruxas (mulheres) e condenávamos gays a apedrejamentos.

Esse tipo tipo de discurso de poder permeia nosso dia a dia. “Um discurso que tenta legitimar o jeito de ser ou estar na sociedade e deslegitimar outros.” (o governo atual está aí não é mesmo?)

Temos na sociedade uma acordo definição do que é o “ normal” e, novamente, quem decide o que é “normal” é quem está no poder.
Você já observou quem normalmente está no poder?

SIM! Quem está no poder são homens, brancos, héteros, que dirigem grandes corporações. (Canta James Brown: "This is a man's world…)

Ou seja, é interessante que quem não pertença a esse clubinho de homem-branco-hétero-‘normal’ se sinta incapaz, duvide de si…
Pessoas inseguras não reclamam e não iniciam revoluções.
Quem vai levantar a voz e questionar tendo medo?

Nós, de comportamento desviante do “normal”, donos de comportamento diferente do que interessa para quem está no poder, sofremos opressão e questionamentos o tempo todo. Essa lavagem cerebral nos afeta tanto que não temos certeza se sabemos o que sabemos, se queremos o que queremos ou se de fato somos quem somos. Esses questionamentos não tem NENHUMA intenção construtiva, eles são o exato produto da gestão pelo medo de uma classe sobre outra, de um grupo sobre outro.

Me questiono se não é isso que acontece quando o marido, por não querer que a mulher trabalhe, decide desencorajá-la e subestima-la, porque é melhor que ela nem se ache capaz. Ou então, se não é esse o pensamento desse mesmo homem branco hétero que estudou em uma faculdade de prestígio ao pensar em perder o posto de liderança para um gay periférico.

É melhor para ele (branco-hétero) que esse gay não tenha confiança suficiente para seguir em frente. É melhor ele pensar que a sexualidade o impossibilita… É melhor ele pensar que tem que gastar a energia dele tentando se adequar ao invés de usar essa energia para se desenvolver.

(Importante destacar: o homem-branco-hétero não é uma pessoa em si e sim uma estrutura/figura social. Não estou dizendo que todos são assim — porque não seria verdade, e sim que existe um comportamento padrão de uma parte da sociedade, em que o meio espera que se comporte e aja tal qual. Inclusive homens brancos e héteros que não se encaixam nesse padrão esperado da sociedade também sofrem com essa estrutura — homens que não são "agressivos", "competitivos", "ambiciosos").

EITA… E O RH?

E como isso se aplica ao trabalho? Como se aplica ao RH? E como evitar que isso aconteça? Ou melhor, como fazer algo para que isso pare de acontecer?

Te convido a focar agora 100% no ambiente corporativo. Para entender como evitar é preciso visualizar rapidamente como isso se expressa no dia a dia das empresas.

Não estou dormindo mais, já não saio com os amigos…

Você já teve um gestor tóxico?
Sabe aquele? Que trata funcionários como números e não são nada humanos?

Não, não conhece? HUM… Vamos aos sintomas:

  • Trata funcionários apenas como recursos;
  • Incentiva competição entre funcionários;
  • Personalidade passivo-agressiva: falas nas entrelinhas e/ou cria comentários para incentivar o medo de ser demitido;
  • Destaca o erro e lidera a busca por culpados;
  • Rouba o crédito por ideias e projetos e transfere responsabilidades para o time.

Essas são as principais características de gestores ruins. Conseguiu identificar alguém?

Imagino que sim, afinal tem um monte de gente assim por aí liderando times. E, pior ainda: tem um monte de corporação por aí que leva isso como uma parte da CULTURA. Berço perfeito para que mais lideranças desse tipo sejam criadas.

A gestão pelo medo abastece a insegurança. As pessoas não tem seu valor reconhecido e portanto por muitas vezes não conseguem nem ver o seu valor real. Dessa forma torna-se ainda mais fácil gerir esse grupo e “segurar” as pessoas, o que é extremamente cômodo para o gestor, pois uma pessoa com síndrome do impostor talvez nem tenha coragem de sair da empresa por achar não tem chances de se encaixar em outro lugar.

Nossa e como as empresas ganham com isso?

Nada acontece sem alguém querer ou sem beneficiar outro alguém né minha gente?! Nesse ponto do texto já percebemos isso.
O medo e a síndrome do impostor são super lucrativos para uma cadeia de pessoas… se trata de controle sobre o outro. Os habitantes do topo dessa cadeia são exatamente as corporações mais tradicionais.

“Quando um profissional está com medo constante de ser demitido é muito difícil que ele se oponha à decisões unilaterais que o prejudiquem. O medo de perder a segurança financeira e passar dificuldades é um forte motivador para tolerar abusos.” — startupdareal

Quando uma pessoa se encontra nessa situação ela não muda de empresa, a rotatividade fica mais baixa, ela não pede aumento, logo, a margem de lucro da empresa aumenta porque ela não acredita que tem capacidade de negociar melhores condições de trabalho. E, acima de tudo: ela não se sente capaz de almejar posições na alta liderança (o que convenientemente reduz a a competição para quem está lá em cima).

Continuamos com a prova de que esse é um sistema claro de abuso e dominação com visão única de construir essa proteção e agregar vantagens aos que estão em posições de poder.

NOSSA, E COMO MUDAMOS ISSO?

Não tem receitinha…
Mas ler esse texto é um bom ponto de partida…
Ler mais sobre o tema… mais ainda!

SE VOCÊ TEM OU TEVE ESSA SÍNDROME:
O primeiro passo é investir um tempo para entender a si mesmo, se dedicar ao seu conhecimento pessoal. Você sabe o que são gatilhos? Você entende eles? Alguma crença hoje te limita? De onde vem o que você sente?

Na próxima vez que sentir que está caindo na síndrome do impostor, analise a situação, veja se isso está acontecendo, entenda se alguém ou se o ambiente em que está inserido é um estimulante. Se sim, sente-se, planeje-se e se fortaleça. Caso não resolva e, se houver possibilidade, MUDE!

SE VOCE É GESTOR, RH, DONO DE EMPRESA:
Questione-se sobre a cultura
do seu time, sobre qual é a cultura da sua empresa. A cultura se torna mais palpável através das tomadas de decisões: quem você está contratando, reconhecendo, promovendo, demitindo?

Converse com pessoas que desafiem a sua opinião! As pessoas tendem a relacionar-se com outras parecidas. O semelhante nos conforta. Isso é natural, é humano. Saia da sua bolha e busque conhecer mais sobre realidades diferentes da sua. Consuma conteúdos e conecte-se com pessoas com histórico de vida e perspectivas diferentes. É difícil ter empatia sem ter contato. E isso é poderoso.

Mas, esteja preparado para lidar com o DESCONFORTO. Porque quando descobrimos que reforçamos e/ou reproduzimos essas estruturas e comportamentos, é um balde de agua fria mesmo. Posso te contar um segredo? Todos fazemos, alguns mais, outros menos, mas de maneira inconsciente reproduzimos comportamentos de nosso meio social.

Ou seja, ao trazer para a consciência esses temas em sua busca para fazer diferente, você se sentirá desconfortável. Use isso como combustível para fazer melhorar e tornar seus aprendizados uma prática!

Inclusive, recomendo a leitura deste artigo para enriquecer o tema!

Para fechar, ou a #bonustrack:

Na minha trajetória enquanto profissional percebi 3 elementos que me ajudaram a me livrar pouco a pouco da MINHA síndrome de Sandy & Júnior.

1 Ambiente seguro: Trabalhar em uma empresa com um ambiente seguro, onde eu não gastava energia me preocupando em não ser algo (não ser tão gay), me permitia focar em ser 100% EU MESMO. Eu tinha tempo para ser minha melhor versão. Promover esse tipo de ambiente é respeitar a diversidade em sua manifestação mais pura, isto significa, respeitar que contextos diferentes formam pessoas diferentes.

2 Referências: Eu cresci sem uma referência de “gay de sucesso” no mundo corporativo e ainda hoje não posso dizer que conheço muitos, pois, na verdade, só conheço UM. E apenas o fato de ouvir o João falar em uma palestra uma vez e descobrir que ele é gay, me empoderou e certamente mudou minha trajetória profissional. (Ele nem sabe o quanto sou grato e o quanto o admiro olhando daqui de longe).

3 Lideranças inspiradoras: Um líder que te inspira faz você voar mais alto. E uma líder me ensinou que a gente não retém ninguém, gente boa é feita pra voar. Um espaço de liberdade é essencial para que não exista sufocamento, para que a gente possa fazer o melhor que pode com os recursos que tem, sem pagar essa conta com a saúde emocional.

E tive ainda uma segunda liderança ainda que indireta que me ensinou que pessoas são parte dos negócio, são frentes que não se dissociam.

Enfim, baseado no que vivi são esses 3 exemplos que tento trazer para meu time e para minha empresa atual. A construção de um ambiente seguro, a busca por representatividade e constante esforço em fazer o melhor que posso para que as pessoas do time sejam protagonistas da própria jornada, que contem comigo apenas como facilitador desse processo.

Vejo que, assim como eu, meus líderes e outras pessoas que conheço tem seguido essa frente mais humana, acredito nesse movimento… Você conhece algum líder que pensa assim?

Ou melhor conhece UMA empresa assim? DUAS? 100? 1000?

Eu quero mais que um mais que mil e mil e um!

Autor: Ruan Caetano

Agradecimento especial :
À Marília Tosetto pelo processo de revisão, carinho e cuidado ao me ajudar a construir o texto.
À Elis Ponce: Por ser a cientista política e revisora de textos.

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